Saturday, April 12, 2003

Calvin, o grande!




Não sou nenhum fanático por HQ’s. Confesso, inclusive, certa ignorância. Mas nesse mundo em que pululam Mônicas e Mandrakes, há um representante de alto nível, que vai além das fantasias mirabolantes, de histórias insólitas, traçando um perfil psicológico denso do ser humano em seu estágio inicial, a infância, o que muitas vezes é obtido com uma simples charge. Bill Waterson merece todos os louros, afora os milhões que deve ter ganho com seu esplendoroso “Calvin”. Isto porque captou com maestria a essência das crianças, ao menos da criança que fui e da qual ainda restam vestígios, o que me parece suficiente para considerá-lo um ícone. Símbolo de uma geração de garotos assustados com a vida, vivendo num mundo fantasioso criado por si mesmos, como forma de autodefesa.

Não me diga que nunca leu Calvin, leitor! Se jamais teve interesse pela patota de Maurício de Souza ou pelos quadrinhos de Walt Disney, vá lá. Mas se as aventuras inesquecíveis de um garoto de seis anos e seu inseparável tigre Haroldo não lhe são familiares, ouso dizer então que perdeu uma grande oportunidade de tornar sua infância mais rica, no sentido abstrato da palavra. Há, contudo, como desfazer este pecado. Isto porque Calvin não é um gibi que agrade só às crianças. Não está, de modo algum, limitado pelas circunstâncias do tempo. Relendo-o recentemente na casa de um amigo, fui tomado por gargalhadas ininterruptas, como quando o lia anos atrás. Calvin é uma obra de arte, coisa pra ser digerida em qualquer época.

Medo, sensibilidade, fantasia, sarcasmo, irresponsabilidade, amizade, todas essas características permeiam a complexa relação do personagem com o mundo a seu redor. Calvin não tem nada de excepcional. É um garoto comum, atormentado pelas pequenas obrigações e desafios que a vida começa a lhe impor.

No seu relacionamento com tais desafios, encontra no amigo Haroldo o refúgio necessário. O bom e velho tigre é o companheiro solidário que compreende suas pequenas angústias. É a fuga para um mundo fantasioso frente à realidade incômoda, consubstanciada em personagens tais como a professora, o truculento Moe, a “tirânica” babá Rosalyn, ou os monstros debaixo da cama. Enfim, seres que facilmente têm relação com o cotidiano de qualquer criança de classe média.

É neste ambiente comum que Bill Waterson busca os instrumentos para delinear algo tão genial. Ao leitor desavisado, vale uma advertência. Cuidado! Não permitam tão prazerosa leitura a seus pequenos filhos sem antes atentar-lhes para algo óbvio, que às vezes as crianças precisam disto: o mundo fantasioso de Calvin tem limites e eles estão estritamente circunscritos aos quadrinhos. No mundo de mercado de hoje, meus caros, Calvin seria uma presa fácil e de nada serviriam seus mecanismos de fuga Haroldianos.

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