Tuesday, May 18, 2010

Entre Kill Bill II e o Copo de Cólera


Quinta à noite. Estava à toa zappeando na TV, à procura de um filme qualquer pra passar o tempo.

Passei pela Cultura e tive a sorte, pensava eu, de pegar um filme no começo. “Um copo de Cólera”. Filme nacional, com o casal de atores Alexandre Borges e Júlia Lemmertz. Nenhum outro ator era mencionado na introdução, afora a participação especial de Marieta Severo. Adaptação de obra literária de Raduan Nassar. Hum, filme nacional, adaptação de livro, só dois atores centrais... filme denso, pensei.

Pulei pra Globo, e dei de cara com a Uma Thurman, “A noiva”, empunhando uma espada com destreza. Kill Bil II. Tarantino. Trash cool. Diversão garantida. Já havia assistido ao filme, mas queria relembrar as cenas de luta e rever a Daryl Hannah fazendo aquele assobio que fica na cabeça.

Mas, como me considero um sujeito eclético e insisto em resgatar minha admiração pelo cinema mais intelectualizado, que o convívio com a rotina jurídica diária cuidou de minimizar, resolvi arriscar uns lances na produção nacional. Às vezes tenho essa mania de assistir a dois programas ou dois filmes ao mesmo tempo.

Voltei pra Cultura. O filme se inicia com um carro passando numa estradinha em área rural. Uns...dois minutos depois, outro carro passa! Ingmar Bergman virou brasileiro, pensei eu? O segundo carro começa a entrar na chácara. Mais pausa. Deu pane na TV? Pulei pra Globo de novo. Minha sensibilidade cinematográfica não é tão sensível assim, concluí.

Uma (a atriz) agora tentava demonstrar suas habilidades ao mestre chinês, que zombava de sua inexperiência e lhe dava uma bela de uma surra, no estilo da “luta de tigres” ou coisa parecida. Impossível tirar os olhos. Seguiu-se assim a seqüência de treinamento, até o momento em que Uma (ela de novo) emerge das profundezas da terra, usando suas habilidades assimiladas a duras penas com o mestre. Fui até o intervalo.
Voltei pro Cólera (o filme). Os atores estão no quarto. Fulano começa a desenrolar (isso mesmo) a roupa de Julia (não me perguntem o nome dos personagens). A atriz fica com seus vastos pêlos pubianos à mostra, sob os olhares e babas maníacas de seu marido. Hum, tipo peludinha, à moda antiga, pensei. Sexo à vista. Tá começando a ficar com cara de filme nacional.

Fulano acende um cigarro, enquanto sicrana vai terminar de se despir em outro cômodo. Fulano então tira a roupa, e aguarda ansioso seu “jantar”. Começa uma cena de amassos, meio idílica, em que o casal se beija sob as vestimentas de Julia. Não vai passar disso, pensei. Pimba pra Globo.

Nossa heroína loira agora se defronta com outra loira, Daryl Hannah, que já havia matado Budd, com sua cobra venenosa. Perdi o assobio! Tudo bem, o filme ainda promete. As matadoras se digladiam dentro de um trailer no deserto, até que a protagonista arranca o único olho que havia restado depois que Daryl ousou insultar o grande mestre chinês. Nossa noiva pisa descalça no belo olho azul acinzentado de Hannah, soltando umas gosminhas. Grande momento do cinema!

Intervalo. Volto pro Cólera. Opa! O bicho começou a pegar. Não, não é um Ingmar Bergman, definitivamente. Agora tá mais pra Buttman mesmo. Bem que a Silvia Saint podia fazer uma ponta, no lugar da Marieta Severo. Pode acreditar, meu chapa, se eles não estavam fornicando de verdade, eu sou o Batman. Segue-se assim uma looonga cena de plena putaria, essa é a palavra, com direito a contorcionismos orais dignos de um Cirque Du Soleil. E o fato de ser um casal casado de atores só torna a coisa mais palpável. E bota palpável.

Nunca prestei muita atenção nessa Julia. Tem muita atriz bonita na TV. Mas, confesso, depois daquela cena, a coisa mudou de figura.

Intervalo. Volto pro Kill. Nossa heroína prossegue na sua caminhada vingativa em busca de Bill e toma um susto ao ver sua filhinha crescida. Segue-se um diálogo metafórico com Bill sobre o papel simbólico e arquetípico do super-homem, mostrando que diversão também tem seu lado cabeça. Ok, to forçando a barra, mas que é legal é. Uma seqüência rápida de luta, e a noiva desfere um golpe letal em seu ex, o “golpe dos cinco pontos que explode o coração”, ou coisa parecida. Fenomenal! Nossa heroína pode descansar em paz, e eu, voltar pra putaria.

Cólera. Agora a palavra que dá nome ao título começa a fazer sentido. Fim do coito. Fulano vê um ninho de saúvas em sua chácara-refúgio, e começa a ficar doidinho. Aparentemente, a organização das formigas o atormenta Segue-se então uma discussão interminável entre os atores, com direito a mais algumas cenas lambidas e uns tapinhas na cara. A harmonia da cama pelo jeito não se estende pra fora dela
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O casal começa a t-r-a-n-s-c-r-e-v-e-r o livro de Raduan Nassar na tela, só pode ser, num diálogo inverossímil, como que num encontro entre dois filósofos discutindo sobre o sentido da vida. Volta e meia os personagens fazem um monólogo diante da câmera. É filme ou teatro? Tédio!

Amigos leitores cinéfilos de plantão. Não vi o filme inteiro (não consegui). Não li o livro que serve de base para o mesmo. Não duvido que haja robusta e refinada literatura no texto no qual, confesso, não prestei muita atenção. Mas, cá entre nós, transpor aqueles diálogos para a tela é um tanto fora de propósito, não acham? Injustiça, porém, não seja feita com os atores, que dão um baile de representação em Alexandre Frota.

E, por favor, não me condenem, não quero despertar a cólera de ninguém. Sou só um ser com sensibilidade artística limitada que não soube captar a beleza do filme. Eu diria, inclusive, aos que não tiveram a oportunidade, que assistam a “Um Copo de cólera”. Vocês poderão, num único filme, sentir o poder de mestres como Ingmar Bergman, Buttman e Lars Von Trier, no melhor estilo Dogville. Mas, que fique claro, o importante mesmo é que o bem venceu o mal e nossa heroína matou o Bill e foi viver em paz.